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Mortes na Amazônia: um retrato do Brasil miliciano

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Os últimos dias ficarão marcados na história recente do Brasil pela escalada de eventos estarrecedores. Alcançamos a triste marca de 33 milhões de pessoas com fome no país, um tribunal superior autorizou os planos de saúde a reduzir coberturas e deputados deram licença para que bancos tomem o único imóvel de um devedor.

Como se já não bastassem essas desgraças todas, um indigenista de destacada atuação e um jornalista estrangeiro desapareceram no Vale do Javari (Amazônia) há mais de uma semana, após sofrerem ameaças de morte. Hoje ficamos sabendo que dois corpos foram achados na região, onde criminosos atuam sem serem incomodadas pelas autoridades.

As mortes de Bruno Pereira e de Dom Philips revelam mais do que a inoperância das forças armadas e dos órgãos estaduais de segurança na defesa da integridade das pessoas e na proteção dos mais vulneráveis. Isso tem sido a regra no Brasil de hoje, mas não se trata de algo que começou ontem. Estamos diante de um fenômeno de muito maior gravidade.

Os assassinos do indigenista brasileiro e do jornalista britânico compõem um contingente de facínoras que age livremente no Brasil profundo há décadas. Nós sabemos disso desde Josimo, Ezequiel Ramin e Chico Mendes, passando por Margarida Maria Alves e Dorothy Stang até hoje, infelizmente, com Bruno e Dom.

A diferença é que antes essa gente tinha pudores em assumir publicamente sua faceta mais perversa. Hoje eles se sentem politicamente autorizados e estão legalmente armados.

Vivemos a antessala de um golpe de Estado no Brasil? Hoje seria algo fadado ao fracasso por duas razões simples. As condições internacionais não permitiriam e a economia brasileira está arruinada.

Mas não podemos ser inocentes em achar que essa gente toda que está armada vai simplesmente entregar suas armas e deixar de ser “colecionadores” de armas, caso sejam derrotados eleitoralmente em outubro. Não há como descartar a possibilidade destes grupos tentarem manter sua ordem miliciana, defendendo suas lideranças nefastas na base da bala, parando o país.

Tais grupos nunca ganharam tanto dinheiro como nos últimos anos. Não nos enganemos:  os rincões da selva amazônica, as profundezas do campo brasileiro e periferias urbanas como a Baixada Fluminense estão irmanadas pelos senhores da guerra e mestres da morte, sustentados por jagunços, pistoleiros e milicianos – todos da mesma laia.  E são apoiados pelos coronéis da fé e por catolibãs em nome de uma mórbida visão de religião.

A questão vai ser como parar essa gente sem entrar em um clima de guerra civil. Isso vale também para milicianos nos centros urbanos, parcelas degeneradas do agronegócio e de uma parte do grande capital nacional. Nesse clima, militares e policiais cumprirão seu papel constitucional?

Não teremos o milagre de retornar para alguma normalidade democrática neste país sem derramamento de sangue. Até porque os assassinatos de Bruno e Dom não são os primeiros e nem serão os últimos, sobretudo nestes tempos milicianos. Que o digam os sem-terra, agentes de pastoral da CPT e do CIMI, os povos originários, quilombolas, a comunidade lgbtqia+ e os moradores de morros e favelas nas grandes cidades brasileiras.

Nem nos melhores tempos de democracia formal após a Constituição de 1988 estes foram tratados como cidadãos de plenos direitos. Será que conseguiremos agora? Estamos correndo o grave risco de por o vinho novo da esperança nos velhos odres das instituições que “estavam funcionando” enquanto todas estas barbaridades estavam acontecendo diante de nossos olhos. Temos alternativas?

Diante da barbárie de um país cada vez mais distópico, onde estão as instituições que “estariam funcionando” normalmente?  Poderão elas garantir à sociedade que o Estado de Direito seja universal?

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